Interessante artigo do Kao Cyber!
Há décadas presenciamos um acalorado debate sobre o caráter educativo (ou deseducativo para alguns) dos games para o usuário padrão, representado em grande parte por jovens e adolescentes em idade escolar e em pleno processo de formação.
Eu já tinha uma opinião a respeito, mas lendo esta semana sobre os novos lançamentos de games para os consoles atuais, tive certeza quanto ao aprimoramento oferecido pelos jogos, não apenas aos gamers, mas ao público em geral.
De certa forma esta idéia talvez seja até um pouco mais ampla. Jay David Bolter e Richard Grusin elaboraram o conceito de "re-mediação" que observa que toda nova tecnologia incorpora e reconfigura a criatividade de inventos anteriores. Penso que, da mesma forma, nossa cognição em relação às inovações tecnológicas é cumulativa e isso nos torna mais hábeis e menos apreensivos quanto às novas experiências.
Assim, décadas de convivência com a luz elétrica tornam natural supor que o acionamento de um interruptor na parede acenderá a lâmpada mais próxima, o apertar de um botão vermelho ligará uma máquina e a manipulação de controles deverá alterar as condições do "ambiente" em uma tela de árcade, para exemplificar a linha de raciocínio.
Isso nos leva de volta à interminável contenda quanto ao game como recurso educacional ou "máquina de emburrecer", como tantos alardeiam por aí.
Acredito que todo jogo, console e sistema promovam profundas alterações sensoriais, comportamentais e educativas, por meio de um processo equivalente ao da "re-mediação", onde nossos conhecimentos e capacidades vão sendo paulatinamente aprimorados por meio da soma de novas situações e fenômenos vivenciados com a sucessão de projetos cada vez mais inovadores de criação de jogos e acessórios, propondo uma resignificação do conhecimento já assimilado por propostas e vivências anteriores.
Assim, se no começo "Pong" era um produto inusitado, que apelava para o imaginário do tradicional tênis de mesa e instava o usuário a arriscar o então difícil domínio dos controles para obter a vitória, o passo seguinte concentrava-se ne tentativa de refinar estas habilidades em manobras dinâmicas, como em Pacman ou Galaga, por exemplo.
Pode-se encarar esta questão de maneira simplista, entendendo-se que movimentos rápidos com os dedões não são o melhor exemplo de cultura e aprendizado, mas há muitos outros fatores envolvidos, como noções do espaço virtual, melhora da relação neuronal estímulo-resposta e a aplicação desse conjunto de cognições em outras áreas cotidianas, como o analítico-matemático, o inter-relacional, amplitude de referências etc.
Mas o que de fato me chamou a atenção esta semana ao ler sobre os novos games não foi somente a disponibilização de elementos para o potencial aprimoramento dos jogadores, mas a transmissão do poder de criação que os desenvolvedores passam a oferecer ao público.
Mais especificamente, estou falando de jogos como Spore e Little Big Planet. Em ambos os casos o gamer tem à disposição entretenimento de primeira e, adicionalmente, a oportunidade de criar e recriar todos os elementos do jogo, podendo oferecer o resultado de sua criatividade a qualquer um interessado em jogar ou utilizar sua produção.
Pode ser que haja quem ache que isso é pouca coisa, mas estará muito longe da verdade.
Lembro que estes recursos não são exatamente uma novidade na produção de jogos, remontando os primeiros dias de Castle Wolfenstein, quando os jogadores mais afoitos descobriram que era possível alterar os sprites do jogo, colocando zumbis, marcianos ou a Xuxa no lugar dos nazistas inimigos.
Logo vieram as ferramentas oficiais de modificação dos jogos, permitindo a criação de fases inteiras. Os exemplos mais conhecidos são Counter Strike Rio, que se passava em várias localidades da favela da Rocinha e, mais recentemente, GTA São Paulo, produção polêmica do talentoso Luis Schiavon, muito bem recebido pela crítica.
Perceba que, em quinze anos, saímos da condição de jogador passivo para a de criadores de mundos, usando não apenas os recursos aqui observados como também softs com Game Maker e similares, que ampliam as possibilidades de entendimento de processo e concepção básica de game design para os usuários. Esta cultura já está de tal forma presente em nosso cotidiano que as grandes corporações já começaram a transformá-la em serviços para o usuário comum, como o meta-verso Second Life, o Sketch Up, ferramenta 3D online do Google, e o próprio Creature Creator, software gratuito disponibilizado para produzir monstrinhos para o já citado game Spore.
Abro um rápido parênteses aqui para falar do divertidíssimo advento dos Machinima, criação de animações com as ferramentas desenvolvidas para a modificação dos games. Algumas animações eram muito simplórias e bizarras, mas havia coisas realmente engraçadas, como Quake com personagens de Futurama e o clássico Red vs Blue, que apresentava várias histórias com personagens de Halo. Os Machinimas são outro grande exemplo de como o poder de criação está migrando de forma fluída e não impositiva para o domínio do público.
Este texto está incompleto, já que não foram citadas várias formas de produção e criação hoje já transferidas para o criativo uso dos jogadores, mas creio que a idéia básica já ficou clara.
Obviamente, a criação de produções mais elaboradas necessitará sempre de muito mais empenho e conhecimento técnico por parte do criador, indo muito além das meras ferramentas gratuitas online, mas temos hoje um público mais qualificado, sagaz e desejoso de aprender mais, fazer mais e tornar-se participante no panteão daqueles que encontraram os meios para extravasar seu incontrolável dom de criar em profusão. Se não forem designers de game, certamente serão profissionais de destaque em suas áreas futuras, concorda?
Ainda dá para acreditar que games emburrecem?
em: http://www.gamecultura.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=635&Itemid=9
0 comentários
Enviar um comentário